sábado, 16 de junho de 2018

108 Contos e Parábolas Orientais, # 1 - 10

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Sumário




Introdução

Agradecimentos

1 Mu

2 Joshu e o Grande Caminho

3 As perguntas do rei Milinda

4 Fazer o bem

5 Gokito

6 Tigelas

7 Presente de insultos

8 Kantaka e a teia de aranha

9 Sem pressa

10 A espada e a cerimônia do chá

11 Com fome, coma

12 Apenas duas palavras

13 Meditação e macacos

14 A lua

15 A perfeição

16 Poderes sobrenaturais

17 Cipreste

18 Paz mental

19 Musashi Sensei

20 Bolinhos de arroz

21 O ensinamento

22 Mudança

23 Equanimidade

24 A moeda da sorte

25 Uma analogia

26 Uma xícara de chá

27 Certo e errado

28 Céu e inferno

29 Verdadeira riqueza

30 É mesmo?

31 Proteger o Darma

32 O bambu e a lua

33 Venerável monge

34 A bela monja

35 A monja perseguida

36 A pedra no bambu

37 O carvão iluminado

38 Seguir após a morte

39 Você está?

40 Seppo e os macacos

41 A essência indestrutível

42 Dois monges

43 Águia azul

44 Pegar de volta

45 A senhora do chá

46 Mahaprajapati

47 Árvore sem sombra

48 Naropa

49 O ladrão

50 Sem palavras

51 A imagem sagrada

52 Conhecer a si mesmo

53 Causa e efeito

54 Atitude correta

55 Boas e más ações

56 Fome

57 Templo

58 Crítica e elogio

59 Cada pessoa tem sua própria boca

60 Para que serve?

61 Esvaziar-se

62 Impermanência

63 O Caminho e a morte

64 Roupas velhas e roupas novas

65 A meditação e o espelho

66 Filhos e filhas

67 Mais um passo

68 Abandone o abandonar

69 Abandonar o mundo

70 Palavras gentis

71 O que é Buda?

72 Virtudes e faltas

73 Relíquias de Buda

74 Nada a possuir

75 A decisão é sua

76 A cor da grama

77 Dúvidas e questões

78 Boas pessoas

79 Sementes

80 Canteiro de orquídeas

81 Cercas e pedregulhos

82 Arrogância

83 Pérolas de neve

84 Conselhos hábeis

85 Sem discussão

86 Tudo vem da terra

87 Bons conselhos

88 O bem e o mal

89 Sem ver e sem ouvir

90 O caminho fácil

91 Dívidas

92 Divisão de tarefas

93 Sem recompensas

94 Nobre silêncio

95 Fuja de Buda

96 Perda e ganho

97 Ouça, veja, obtenha

98 Portal do Dragão

99 Compaixão

100 A seda e a fome

101 Coração vazio

102 Desapego

103 Compreensão especial

104 O sentido do universo

105 A senhora e o monge

106 Derreta o gelo

107 O seu coração

108 A verdade suprema





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1 Mu




Um monge perguntou ao mestre Joshu:

— O cão tem natureza Buda?

O mestre respondeu:

— Mu.





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Esse Koan é chamado de primeira barreira. Disse o mestre Mumon:

— Se não ultrapassar esta barreira, se não cortar o caminho do pensar, você será como um fantasma se agarrando a arbustos e ervas daninhas.

Como ir além do pensar? Como se tornar um ser verdadeiro e não uma sombra de si mesmo, um fantasma que se agarra a coisa frágeis e supérfluas?




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2 Joshu e o Grande Caminho




Certa vez, um homem encontrou Joshu, que estava ocupado varrendo o pátio do mosteiro. Feliz com a oportunidade de falar com um grande mestre, o homem, imaginando conseguir de Joshu respostas para a questão metafísica que o atormentava, perguntou:

— Oh, mestre! Onde está o Caminho?

Joshu, sem parar de varrer, respondeu:

— O caminho passa ali fora, depois da cerca.

— Mas — replicou o homem, meio confuso — eu não me refiro a esse caminho.

Parando seu trabalho, o mestre olhou para ele e disse:

— Então, de que caminho se trata?

O outro falou, em tom místico:

— Falo, mestre, do Grande Caminho!

— Ahhh, esse! — sorriu Joshu. — O Grande Caminho segue por ali até a capital. — E continuou a varrer.





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3 As perguntas do rei Milinda




Durante uma conversa, o rei Milinda, que questionava sobre os ensinamentos de Buda, perguntou ao sábio Nagasena:

— O que é o samsara?

Nagasena respondeu:

— Ó grande rei, aqui nascemos e morremos, lá nascemos e morremos, depois nascemos de novo e de novo morremos, nascemos, morremos... Ó grande rei, isso é samsara.

Disse o rei:

— Não compreendo. Por favor, explique com mais clareza.

Nagasena replicou:

— É como o caroço de manga que plantamos depois de comer a fruta. Quando a grande árvore cresce, ela dá frutos, as pessoas os comem para, em seguida, plantar os caroços. E dos caroços nasce uma grande mangueira, que dá frutos. Desse modo, a mangueira não tem fim. É assim, grande rei, que nascemos aqui, morremos ali, nascemos, morremos, nascemos, morremos. Grande rei, isso é samsara.








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Se despertarmos para a natureza transitória de tudo o que existe, para a interdependência de cada ação, pensamento e palavra e formos capazes de nos libertar da ideia de um “eu”, nos livramos do sofrimento, da ansiedade, do culpar e penetraremos o Nirvana.

Nirvana é o extinguir, o cessar das oscilações da mente, do espírito. É o cessar das dúvidas e da confusão. É o clarificar a verdade e o caminho. É a libertação. Originalmente a palavra significa cessar o fogo por falta de madeira, de combustível. Cessar o fogo das paixões pelo aquietar da mente. Não colocar mais lenha na fogueira.




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4 Fazer o bem




Na China antiga, havia um monge zen que, para evitar adormecer durante o zazen (meditação sentada), decidiu fazer sua prática sentando-se nos galhos de uma árvore. Assim, se perdesse a atenção, cairia. Tornou-se conhecido pela sua singularidade, e muitas pessoas vinham pedir a ele ensinamentos e conselhos.

Ora, nessa mesma área existia um poeta célebre, Sakuraten, que, ao tomar conhecimento da fama do monge, decidiu ir testá-lo. Assim que chegou e o encontrou em zazen, no galho da árvore, falou:

— Tome cuidado, monge, é perigoso. Um dia o senhor poderá cair.

— Talvez — respondeu o monge —, mas o senhor corre maior risco do que eu.

Sakuraten refletiu:

— Com efeito, vivo no mundo, controlado pelas paixões. — Perguntou, então: — Qual é a verdadeira essência dos ensinamentos de Buda?

O monge respondeu:

— Não faça o mal. Faça o bem. Faça o bem a todos os seres.

— Mas até uma criança de 3 anos sabe disso! — exclamou o poeta.

— Sim, mas é uma coisa difícil de ser praticada até mesmo por um velho de 80 anos... — completou o mestre.





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5 Gokito




Certa ocasião, um senhor foi visitar um mosteiro zen e pediu ao abade:

— Mestre, venho pedir uma prece para mim, um Gokito de longa vida. Tenho visto a morte levar muitas pessoas conhecidas e próximas. Sei que também deverei morrer um dia. Portanto, por favor, faça um Gokito para eu viver por muito tempo.

— De acordo. Fazer um Gokito para viver muito tempo não é difícil. Quantos anos o senhor tem?

— Apenas 80.

— Ainda é jovem. Diz um provérbio japonês que até os 50 anos somos como crianças e que, entre os 70 e os 80, precisamos amar.

— Concordo plenamente. Então o senhor me fará o Gokito?

— Até que idade quer viver?

— Por mim, basta chegar até os 100 anos de idade.

— Seu desejo, na verdade, não é muito grande. Para chegar aos 100 anos, só precisa viver mais 20. Não é um período tão longo assim. E, sendo o meu Gokito muito exato, sua morte será exatamente aos 100 anos.

Amedrontado, o homem falou:

— Não, não! Melhor orar para que eu viva 150 anos!

— Atualmente, tendo chegado aos 80, já viveu mais da metade do prazo que deseja. A escalada de uma montanha exige grande soma de esforços e tempo, mas a descida é rápida. A partir de agora, seus derradeiros 70 anos passarão como um sonho.

— Nesse caso, peço para viver 300 anos!

O monge respondeu:

— Como seu desejo é pequeno! Somente 300 anos! Diz um provérbio antigo que os grous[1] vivem mais de mil anos e as tartarugas, 10 mil. Se animais podem viver tanto assim, como é que o senhor, um ser humano, deseja viver apenas 300 anos?

— Tudo isso é muito difícil... — tornou o homem, confuso. — Para quantos anos de vida pode ser feito um Gokito?

— Quer dizer, então, que o senhor não quer morrer? Que atitude egoísta... — replicou o mestre.

— Bem, tem razão... — respondeu o ancião, constrangido.

— Assim sendo, o melhor é fazer um Gokito para não morrer.

— Sim, é claro! E pode ser? Esse é o Gokito que eu quero! — falou o senhor, animado.

— É muito caro, muito, muito caro, e leva muito tempo...

— Não faz mal — concordou o homem.

O mestre então disse:

— Começaremos hoje entoando apenas o Makka Hannya Haramita Shingyo (Sutra[2] do Coração da Grande Sabedoria Perfeita). Em seguida, todos os dias, o senhor deverá vir fazer zazen no templo. Pronunciarei, então, palestras em sua intenção.

Dessa maneira, de forma suave e indireta, o monge conseguiu fazer com que o homem deixasse de se preocupar com o dia de sua morte e o conduziu à prática dos ensinamentos do Darma de Buda.





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6 Tigelas




Certa vez um discípulo perguntou ao mestre Joshu:

— Mestre, por favor, o que é o despertar?

Joshu respondeu:

— Você já terminou de comer?

— Sim, mestre, terminei.

— Então, vá lavar suas tigelas!





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7 Presente de insultos




Certa vez existiu um grande guerreiro. Embora idoso, ainda era capaz de derrotar qualquer desafiante. Sua reputação estendeu-se longe e amplamente através do país e muitos estudantes reuniam-se para estudar sob sua orientação.

Um dia um infame jovem guerreiro chegou à vila. Ele estava determinado a ser o primeiro homem a derrotar o grande mestre. Junto à sua força, ele possuía uma habilidade fantástica em perceber e explorar qualquer fraqueza em seu oponente, ofendendo-o até que este perdesse a concentração. Ele esperaria então que seu oponente fizesse o primeiro movimento, e assim revelando sua fraqueza, atacaria com força impiedosa e velocidade de um raio. Ninguém jamais havia resistido a ele além do primeiro movimento.

Contra todas as advertências de seus preocupados estudantes, o velho mestre alegremente aceitou o desafio do jovem guerreiro.

Quando os dois se posicionaram para a luta, o jovem guerreiro começou a lançar insultos ao velho mestre. Ele jogava terra e cuspia em sua face. Por horas, verbalmente ofendeu o mestre com todo o tipo de insulto e maldição conhecidos pela humanidade.

Mas o velho guerreiro meramente ficou parado ali, calmamente.

O jovem guerreiro ficou exausto.

Percebeu que tinha sido derrotado, e fugiu envergonhado.

Um tanto desapontados por não terem visto seu mestre lutar contra o insolente, os estudantes perguntaram:

“Como o senhor pôde suportar tantos insultos e indignidades?

Como conseguiu derrotá-lo sem ao menos se mover?”

“Se alguém vem para lhe dar um presente e você não o aceita,” o mestre replicou, “para quem retorna este presente?”


Não aceitar os insultos que nos fazem é uma arte. Geralmente nos ofendemos e ao ficarmos ofendidas reagimos.




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8 Kantaka e a teia de aranha




Kantaka era um homem mau. Sem a menor piedade, matava e roubava. Não perdoava nem mesmo filhotes recém-nascidos, tal a sua maldade.

Certo dia, estava passando por uma estrada e viu uma aranha no chão. Pela primeira vez na vida, ele se desviou da aranha e a deixou viver. Ele que, desde criança, arrancava as pernas dos insetos e esmagava quem estivesse à sua frente.

Kantaka morreu, e seu carma prejudicial era tanto que ele foi imediatamente para os reinos de grande sofrimento. Não estava só. Havia um grande número de outros seres sofrendo calores terríveis e frios medonhos. Física e mentalmente perturbados. Assim sofria Kantaka o resultado de todas as suas más ações, quando, de repente, viu uma aranha descendo por um fio de prata. A aranha se aproximou de Kantaka e o convidou a subir pela sua teia.

— Mas é muito fina e frágil — hesitou ele.

— Tente — disse a aranha. — Você não pisou em mim quando estava caminhando na estrada. Por causa dessa boa ação sou capaz de levá-lo a um local melhor do que este.

Sem mais nada a perder, Kantaka se agarrou àquele finíssimo fio e começou a subir. Estava contente. Ia se livrar dos infernos. Nisso, sentiu o fio tremer. Olhou para baixo e outros seres em sofrimento tentavam se agarrar à teia da aranha. Temendo que o fio não aguentasse outras pessoas, Kantaka começou a chutar a cabeça dos que tentavam subir. E o fio se partiu.





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9 Sem pressa




Um discípulo foi ao seu mestre e disse fervorosamente:

— Eu estou ansioso para entender seus ensinamentos e atingir a iluminação! Quanto tempo vai demorar para eu obter esse prêmio e dominar esse conhecimento?

A resposta do mestre foi casual:

— Uns dez anos...

Impacientemente, o estudante completou:

— Mas eu quero entender todos os segredos mais rápido do que isso! Vou trabalhar duro! Vou praticar todos os dias, estudar e decorar todos os sutras. Farei isso dez ou mais horas por dia! Nesse caso, em quanto tempo chegarei ao objetivo?

O mestre pensou um pouco e disse suavemente:

— Vinte anos.






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10 A espada e a cerimônia do chá




Um mestre da cerimônia do chá, no Japão antigo, certa vez ofendeu um samurai, ao distraidamente desdenhá-lo quando ele pediu sua atenção. O mestre rapidamente pediu desculpas, mas o altamente impetuoso samurai exigiu que a questão fosse resolvida em um duelo de espadas.

O mestre de chá, que não tinha absolutamente nenhuma experiência com espadas, ficou arrasado. Lembrou-se de um amigo, praticante zen, também grande conhecedor da arte da espada. Convidou-o a tomar chá. Quando o amigo chegou, já tinha tudo preparado para a cerimônia. A água fervia na temperatura correta e a sala estava impecável.

Enquanto o mestre de chá fazia a cerimônia, o praticante zen notou que ele executava sua arte com perfeita concentração e tranquilidade.

— Amanhã — disse —, quando for duelar com o samurai, prepare-se assim, como se fosse fazer uma cerimônia de chá. Tranquilo e sereno. Quando seu oponente chegar, segure a espada sobre sua cabeça, como se estivesse pronto para desferir um golpe e encare-o com a mesma concentração e tranquilidade com a qual executa a cerimônia do chá.

No dia seguinte, na exata hora e local escolhidos para o duelo, o mestre de chá seguiu o conselho. O samurai, pronto para um duelo, olhou por muito tempo em silêncio para a face atenta porém suave e calma do mestre de chá. Finalmente, sem nem mesmo sacar a espada, pediu desculpas pelo mal-entendido e se foi.






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